domingo, 12 de outubro de 2008

Lado esquerdo do meu peito - Affonso Romano de Sant' Anna

Às vezes, pequenos grandes terremotos
ocorrem do lado esquerdo do meu peito.

Fora, não se dão conta os desatentos.

Entre a aorta e a omoplata rolam
alquebrados sentimentos.

Entre as vértebras e as costelas
há vários esmagamentos.

Os mais íntimos
já me viram remexendo escombros.
Em mim há algo imóvel e soterrado
em permanente assombro.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Caráter, idéias e moral - Eça de Queirós


“ Aos políticos, menos liberalismo e mais caráter.Aos homens de letras, menos eloqüência e mais idéias.Aos cidadãos em geral, menos progresso e mais moral. ”

Notas conteporâneas - Eça de Queirós

“ ... presença angustiosa das misérias humanas, tanto velho sem lar, tanta criancinha sem pão, e a incapacidade ou indiferença dos governos para realizar a única obra urgente do mundo - a casa para todos, o pão para todos, lentamente me têm tornado um vago anarquista entristecido, idealizador, humilde, inofensivo ... ”

De um lado cantava o sol - Cecília Meireles


De um lado cantava o sol,
do outro, suspirava a lua.
No meio, brilhava a tua
face de ouro, girassol!

Ó montanha da saudade
a que por acaso vim:
outrora, foste um jardim,
e és, agora, eternidade!
De longe, recordo a cor
da grande manhã perdida.
Morrem nos mares da vida
todos os rios do amor?

Ai! celebro-te em meu peito,
em meu coração de sal,
Ó flor sobrenatural,
grande girassol perfeito!

Acabou-se-me o jardim!
Só me resta, do passado,
este relógio dourado
que ainda esperava por mim . . .

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Não permita - Martin Luther King

"Não permita que ninguém o faça descer tão baixo a ponto de você sentir ódio."

Eu tenho um sonho - Martin Luther King


"Eu tenho um sonho de que um dia meus quatro filhos vivam em uma nação onde não sejam julgados pela cor de sua pele, mas pelo seu caráter."

Das utopias - Mário Quintana

Se as coisas são inatingíveis... ora!

não é motivo para não quere-las...

Que tristes os caminhos, se não fora

a magica presença das estrelas!

O Luar - Mário Quintana


O luar,
é a luz do Sol que está sonhando

O tempo não pára!
A saudade é que faz as coisas pararem no tempo...

...os verdadeiros versos não são para embalar,
mas para abalar...

A grande tristeza dos rios é não poderem levar a tua imagem...

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Marinha - Vinicius de Moraes



Na praia de coisas brancas
Abrem-se às ondas cativas
Conchas brancas, coxas brancas
Águas-vivas.

Aos mergulhares do bando
Afloram perspectivas
Redondas, se aglutinando
Volitivas.

E as ondas de pontas roxas
Vão e vêm, verdes e esquivas
Vagabundas, como frouxas
Entre vivas!

Livros e Flores - Machado de Assis

Teus olhos são meus livros.
Que livro há aí melhor,
Em que melhor se leia
A página do amor?


Flores me são teus lábios.
Onde há mais bela flor,
Em que melhor se beba
O bálsamo do amor?

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Círculo vicioso (Soneto) - Machado de Assis


Bailando no ar, gemia inquieto vagalume:
"Quem me dera que eu fosse aquela loira estrela
Que arde no eterno azul, como uma eterna vela!
"Mas a estrela, fitando a lua, com ciúme:

"Pudesse eu copiar-te o transparente lume,
Que, da grega coluna à gótica janela,
Contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela
"Mas a lua, fitando o sol com azedume:

"Mísera! Tivesse eu aquela enorme, aquela
Claridade imortal, que toda a luz resume"
Mas o sol, inclinando a rútila capela:

Pesa-me esta brilhante auréola de nume...
Enfara-me esta luz e desmedida umbela...
Por que não nasci eu um simples vagalume?"...

Em ti - Halver Minarelli

É em tua face meiga e misteriosa
que te encontro assim,
tão formosa,
esplandorosa.

Por ti respiro,
suspiro,
e se por mim tem um fel
em seus olhos cor de mel,
não posso suportar.

Se tens ódio de mim
não posso me anistiar,
e muito menos
o sentimento desvalidar.

E assim lhe digo,
mesmo que tenha-me a angústia,
meu amor será sincero e tal será eterno.

domingo, 5 de outubro de 2008

O Rio - Vinícius de Moraes


Uma gota de chuva
A mais, e o ventre grávido
Estremeceu, da terra.
Através de antigos
Sedimentos, rochas Ignoradas, ouro
Carvão, ferro e mármore
Um fio cristalino
Distante milênios
Partiu fragilmente
Sequioso de espaço
Em busca de luz.

Um rio nasceu.

Autopsicografia - Fernando Pessoa 01/04/1931


O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas da roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama o coração.

A Duas Flores - Castro Alves

São duas flores unidas,
São duas rosas nascidas
Talvez do mesmo arrebol,
Vivendo no mesmo galho,
Da mesma gota de orvalho,
Do mesmo raio de sol.

Unidas, bem como as penas
Das duas asas pequenas
De um passarinho do céu...
Como um casal de rolinhas,
Como a tribo de andorinhas

Da tarde no frouxo véu.
Unidas, bom como os prantos,
Que em parelha descem tantos
Das profundezas do olhar...
Como o suspiro e o desgosto,
Como as covinhas do rosto,
Como as estrelas do mar.

Unidas... Ai quem pudera
Numa eterna primavera
Viver, qual vive esta flor.
Juntar as rodas da vida,
Na rama verde e florida,
Na verde rama do amor!

sábado, 4 de outubro de 2008

Dialética - Vinícius de Moraes


É claro que a vida é boa

E a alegria, a única indizível emoção

É claro que te acho linda

Em ti bendigo o amor das coisas simples

É claro que te amo

E tenho tudo para ser feliz

Mas acontece que eu sou triste...

Teu segredo - Clarice Lispector


Flores envenenadas na jarra. Roxas azuis, encarnadas, atapetam o ar. Que riqueza de hospital. Nunca vi mais belas e mais perigosas. É assim então o teu segredo. Teu segredo é tão parecido contigo que nada me revela além do que já sei. E sei tão pouco como se o teu enigma fosse eu. Assim como tu és o meu.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

A rosa de Hiroxima - Vinícius de Moraes

Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroxima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A anti-rosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada.

Motivo - Cecília Meireles

Eu canto porque o instante existe e a minha vida está completa. Não sou alegre nem sou triste: sou poeta.

Irmão das coisas fugidias, não sinto gozo nem tormento. Atravesso noites e diasno vento.

Se desmorono ou se edifico, se permaneço ou me desfaço, - não sei, não sei. Não sei se fico ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo. Tem sangue eterno a asa ritmada. E um dia sei que estarei mudo: - mais nada.